É hora de reconectar o ecossistema da saúde


Inovação passa por ouvir as pessoas

Negócios
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por Levi Girardi, CEO da Questtonó

Há cerca de três anos, nosso time iniciou um projeto interno ligado à saúde. Motivados por mais de duas décadas envolvidos com projetos de design para equipamentos médicos, e principalmente pela transformação que o setor da saúde vinha experimentando, com uma mudança de comportamento na relação médico-paciente, entendemos que era preciso olhar com mais cuidado para o tema.

De lá nasceu o Reconnecting Health, uma visão de design sobre futuros mais humanos. Durante a construção do projeto ouvimos várias vozes, de médicos a pacientes, de administradores de serviços de saúde a líderes do setor. Foi uma jornada de descobertas, questionamentos e marcada pela esperança na busca por experiências mais significativas para todos os atores do sistema.

Estive diretamente ligado a este processo, tentando identificar como um ecossistema tão complexo e com tantos atores tão estruturados ainda permite que o cuidado humano não esteja sempre em primeiro lugar.

No nosso time, além de designers, pesquisadores e estrategistas, contávamos também com profissionais de saúde e, coincidentemente, com pacientes crônicos – pessoas normais, com medos e desejos semelhantes – o que nos permitiu ter uma visão bastante ampla da relação entre saúde e doença.

No nosso diagnóstico, usando o termo próprio da área, o que percebemos foi uma falta de conexão entre todo o ecossistema da saúde. Um setor fragmentado, onde os serviços, profissionais, os sistemas que financiam todo o processo, a indústria e até os pacientes se conectam de forma frágil. Isso é resultado de anos de divisão entre cada uma dessas partes e da visão do paciente apenas como “paciente”, e não como um ser humano completo, com dores, desejos, sonhos e fragilidades.

Curiosamente, essa questão se assemelha muito à medicina moderna, que cuida de órgãos separados, e não de um corpo humano integrado e que tem um principal desejo: ser cuidado, antes mesmo de ser curado.

É hora de repensar o que entendemos sobre saúde

O Reconnecting Health nos trouxe a visão de que saúde e doença devem andar juntos; que um corpo humano integralmente são é algo raro, apesar de obviamente desejável; e que o que as pessoas querem é bem estar, mesmo que eventualmente estejam doentes.

Desde então, temos insistido muito nas nossas falas sobre a necessidade de um novo pensamento sobre a saúde. E, consequentemente, estamos praticando este pensamento nos projetos que vieram desde então.

Há necessidade de um diálogo mais aberto sobre a questão do cuidar, da saúde e da doença e da integração das partes como um todo, para que a vida humana e o bem estar sejam o foco. Design puro.

Hoje, passados três anos daquele início de questionamento, nos encontramos absolutamente envolvidos em projetos ligados a esse tema. Nossa área de Pesquisa e Estratégia está imersa em um sem número de informações, de dados sobre comportamento a verbalizações que traduzem os sentimentos dos pacientes – ou pessoas, na forma mais correta agora.

Quando combinamos inovação tecnológica, estratégias de negócio e uma boa dose de bom senso, essa inteligência tem dado subsídios extremamente importantes para que os nossos times de Design e Tecnologia repensem a saúde como um todo.

Por exemplo, já transformamos o varejo de medicamentos em grande escala, para que ele se tornasse um hub de saúde. Criamos equipamentos como ventiladores pulmonares de baixo custo, para uso emergencial e desenvolvidos num pensamento de integração de competências em tempo recorde. E também readequamos equipamentos e serviços digitais para o acompanhamento seguro de pacientes com Covid-19, em meio à pandemia que tragicamente vivemos.

E muito mais, sempre tomando como ponto de partida as necessidades clínicas aliadas ao bem estar das pessoas. E não as lógicas de mercado e de concorrência, onde nem sempre o que é projetado tem como maior objetivo cuidar das pessoas na medida certa, e sim ter vantagens comerciais desequilibradas.

O grande aprendizado nesta jornada é saber que o bem estar não é uma ciência exata. Não se mede em estatísticas, mas se percebe no contato próximo. No ouvir com o tempo. No analisar com cuidado. E em buscar soluções com criatividade e pragmatismo.

Inovação através do design passa por ouvir as pessoas

Fruto da crise da Covid-19, da pandemia e do isolamento social, a saúde (tanto física como psicológica) passou a ser o foco no mundo todo. E o pensamento de design tem sido fundamental para integrar o que não era integrado e de fato colocar o ser humano no centro. Algo tão normal para nós, mas não tão óbvio no desenho de soluções na saúde.

É importante observar nesta jornada o valor inestimável do contato com os profissionais da saúde, sejam médicos ou enfermeiros, técnicos ou ajudantes. Ao serem ouvidos e convidados a cocriar no momento do desenho de uma nova solução, esta fascinante classe profissional contribuiu muito no desenvolvimento, que aconteceu logo antes de entrarem em ação corajosa na linha de frente dos desafios do dia a dia. Quanto valor não percebemos naqueles que sabem o que é a dor e lidam com ela de perto.

E o mais importante, ouvir o paciente, que busca carinho e cuidado, que tem nome e sobrenome, que tem relações pessoais e desejos. Todos nós já nascemos pacientes, e só hoje que percebemos, em meio ao medo, o valor inestimável do cuidado.

Consideramos que ser saudável também é possível quando se está doente. Essa é uma afirmação que contraria inclusive a definição de saúde da OMS, que fala sobre um “estado pleno de bem estar físico, mental e social, não somente a ausência de doenças”. Uma definição que nos levaria a crer que ser saudável nos tempos atuais é praticamente impossível e, sem dúvida, defasada.

Ter saúde é ser cuidado, é buscar o bem estar, é ter consciência que um sistema mais integrado pode cuidar de nós, estando doentes ou não. Afinal, somos só um corpo, e é assim que devemos levar nossa vida em frente.